Escaldar o polvilho.
Tem que falar assim, levantando o L
e prolongando a permanência da lingua no céu da boca:
escallldar o polvilho.
Tem que falar assim ou a receita desanda.
Preste atenção no modo como o leite quente misturado com óleo entranha no polvilho.
Vai mexendo com uma colher de pau bem negra de uso.
De preferência uma bem antiga que já adormeceu noites frias em fogões a lenha ancestrais.
Misture bem até dar liga,
busque os polvilhos desgarrados com persistência santa
de pastor.
O cheiro não é bom, mas não se importe com isso.
Pegue ovo grande e jogue do alto pra você ver
a gema atingir a bola de massa como um meteoro e a clara abraçar molemente toda mistura.
Agora, sem medo, toque a massa com mãos gulosas,
aperte-a como um amante desajeitado,
com fome, força e desejo.
Queijo meia cura ralado, claro,
jogue do alto também que é parecido com primeira neve
em montanhas claras.
Agora odeie a bola macia que está diante de você,
à mercê da sua vontade, da sua ira.
Amasse. surre a massa como se fosse inimiga,
soque, sove, revolva, aperte,
una tudo como se sua integridade dependesse disto,
não é o pão que amassa, mas a consistência da sua vida.
Faça bolinhas miúdas e idênticas. Seja obsessivo nesta tarefa,
alinhe as fileiras de bolinhas pálidas numa assadeira, com rigidez
doentia. Fica lindo.
Agora leve-os para um forno quentinho,
e deixe a natureza das coisas reagir ao calor.
Sirva com café feitinho na hora.
Desses antigos, fortes, açucarados na fervura
e passados em coador de pano limpinho.