segunda-feira, junho 26, 2006

Eu acho. Por enquanto, acho.






Eu acho que embaixo da mesa pode ser muito vazio.
Acho que quadros não devem ficar cruxificados em paredes.
Acho que arte é tudo aquilo que nos enfeita.
Acho que flores secas trazem consigo o frescor de alguma primavera
e por isso, estão vivas e são eternas.
Acho que geladeira antiga não merece mais carregar
tantas barras de gelo em suas costas.
Acho que um peixe de pedra esculpido pela natureza
tinha que louvrear ao lado de Monalisa.
Acho que todo chão deve ser de madeira.
E que uma casa se constrói com o tempo e com o modo como a vida
das pessoas se espalha dentro dela. Feito gota de tinta em papel areado.

sábado, junho 24, 2006

Mariage




Sempre quis uma chaleira vermelha. Sempre
Mas só descobri este desejo quando a vi, em
destacada solitudine,
me esperando entre as outras milcoisas
da lojinha do mercado.
Peguei minha chaleira rouge com a fome indisfarçada
de um reencontro há muito esperado.
E a trouxe para perto da minha vida. Vida toda.
Nela vou produzir águas febris
e jorrar ternuras em chávenas fartas, boquiabertas.
Nela vou macerar coisas, escaldar curas nos vapores verdes.
Dela, sairão encontros e conversas de depois da meia noite, sairão confissões baforadas por sobre o calor
das beberagens macias e escuras que farei.
Minha chaleira vermelha vai esquecer de hoje
junto comigo. E para sempre, estaremos.

quarta-feira, junho 21, 2006

alice

me ensinou a editar links

terça-feira, junho 20, 2006

Exit




Ele disse: serei um rochedo inabalável.
e me deu uma aflição do marasmo prometido.
Eu disse: seja um abraço, seja uma porta,
rochedo é trampolim para o mar.
Ele disse: pela porta você vai embora.
Eu digo: pela mesma porta, retorno.

sexta-feira, junho 16, 2006

mineirices




Escaldar o polvilho.
Tem que falar assim, levantando o L
e prolongando a permanência da lingua no céu da boca:
escallldar o polvilho.
Tem que falar assim ou a receita desanda.
Preste atenção no modo como o leite quente misturado com óleo entranha no polvilho.
Vai mexendo com uma colher de pau bem negra de uso.
De preferência uma bem antiga que já adormeceu noites frias em fogões a lenha ancestrais.
Misture bem até dar liga,
busque os polvilhos desgarrados com persistência santa
de pastor.
O cheiro não é bom, mas não se importe com isso.
Pegue ovo grande e jogue do alto pra você ver
a gema atingir a bola de massa como um meteoro e a clara abraçar molemente toda mistura.
Agora, sem medo, toque a massa com mãos gulosas,
aperte-a como um amante desajeitado,
com fome, força e desejo.
Queijo meia cura ralado, claro,
jogue do alto também que é parecido com primeira neve
em montanhas claras.
Agora odeie a bola macia que está diante de você,
à mercê da sua vontade, da sua ira.
Amasse. surre a massa como se fosse inimiga,
soque, sove, revolva, aperte,
una tudo como se sua integridade dependesse disto,
não é o pão que amassa, mas a consistência da sua vida.
Faça bolinhas miúdas e idênticas. Seja obsessivo nesta tarefa,
alinhe as fileiras de bolinhas pálidas numa assadeira, com rigidez
doentia. Fica lindo.
Agora leve-os para um forno quentinho,
e deixe a natureza das coisas reagir ao calor.

Sirva com café feitinho na hora.
Desses antigos, fortes, açucarados na fervura
e passados em coador de pano limpinho.

quarta-feira, junho 14, 2006

Mulherzinha



Descobri alegrias ao ponto.
Descobri que sei fazer molho de tomate,
do jeitinho que a minha avó fazia (acho)
e que só sei fazer este molho gêmeo
porque tenho o sangue atomatado dela (tenho certeza).
Descobri que, tentando cinco vezes, o molho branco não empelota.
Que preparar o que meu marido vai comer é coisa muito sensual.
Descobri tantas coisas…
Que odeio a ignorância da empregada nova.
Que amo a ignorância dela porque me obriga a ser feliz
misturando coisas e servindo (com ervas frescas)
pratos cheios da minha quase esquecida
feminilidade primitiva.
A que me faz sangrar todos os meses,
a que expulsa (não sem dores) meus filhos do útero,
a que me dá poderes de alquimista.




Recém descobri que o fogo do forno se parece com uma lua difusa em céu absoluto.

sábado, junho 10, 2006

Cafe com Leitmotiv




É de noite que minha solidão se revela,
talvez seja em respeito aos outros,
meus amores,
cujas solidões me fazem companhia
e espreitam receosos que algum desespero
acabe levando minha solidão para longe da deles.
É de noite que passeio pela casa
e os ecos dos acontecimentos me
percorrem, me relembram:
que devo dormir,
que devo existir sem muitas aflições,
que devo me agarrar
aos cafés, aos cadernos e aos doces,
para não me perder,
sem volta,
neste labirinto de sentir.
E sentir.
E sentir.
É de noite que tudo o que nego,
(entre tarefas e banhos)
esvai pelos poros e
inunda o silêncio em volta de mim.
É de noite que lavo os pratos fundos
da sopa de aspargos que fiz
(pequenas vitórias fumegantes).

É de noite que minha casa me assombra.
por me pertencer com docilidade impiedosa
e por guardar tantos objetos
(Deus, como pude acumular tantas lembranças)
Fico horrorizada quando me dou conta
que sou dona do seu destino
(da casa)
e da limpeza das gavetas e das almas dos que nela moram.

Tão complicado ser adulta e
a maçã, o arroz, o filet de peixe com batatas
terem todos,
todos, a minha assinatura.
Custoso ser autora do dia-a-dia.
Vontade de meus 6 anos
e perguntar,
plena de ignorancia concedida:
“Mãe… tem sorvete de creme?”

(para marilena matiuzzi)

quinta-feira, junho 08, 2006

thousand words




Parecem apenas frutas,
mas é um momento.
Meu menininho e eu
escolhendo maçãs como
quem pinta quadros.



Parece uma bancada,
com uma panela, coco ralado,
amendoim e ao fundo,
uma taça onde bebi
vinho com palavras.
Parecem apenas pequenos nadas,
mas são restos de um dia bom
e promessa de outro,
açucarado.




Parece uma cozinha existindo
enquanto a casa dorme.
Mas é origem: a galinha com
ovos, o paninho sobre o fogão
e eu, registrando tudo,
em plena solidão.

terça-feira, junho 06, 2006

Prato do Dia



Elas iam para o lixo.
Fiquei comovida com as cores,
a morte anunciada nas bordas.
Não suportei ser dona
do destino delas,
muito menos a docilidade
que elas o aceitavam.
Ride of the walkyries.
Coloquei-as neste
cesto (que comprei
por ser parecido com
casquinha de sorvete e
por custar 3 moedas de um)
Ficou tão lindo.
Ludibriei o fim.